A brutal morte do leão Cecil fez nascer reações surpreendentes no mundo inteiro. Ninguém entendeu o gesto do caçador, movido apenas pelo prazer de descrever suas caçadas e de comprovar seus relatos com as cabeças dos animais abatidos. A dor de todos pela morte de um animal símbolo do parque nacional do Zimbábue foi crescendo à medida que surgiram novas informações: teriam sido pagos 50 mil dólares pelo “privilégio” de poder matar um leão; o caçador norte-americano conseguiu que o leão fosse atraído para fora do parque, para matá-lo longe de seu ambiente de proteção; Cecil não morreu logo: flechado, foi morrer 40 horas depois, decapitado.
Com a rapidez própria da luz de raios, a notícia envolvendo esse leão passou a se multiplicar a cada hora. Ouvimos depoimentos comoventes a respeito do simpático Cecil; uma sociedade protetora de animais pediu a cabeça do dentista-caçador (“Ele merece a forca!”); crianças deram entrevistas, derramando lágrimas diante de fotos do leão já famoso em vida.
Dentre as muitas lições que esse fato nos traz, chamo a atenção para duas: podemos ter esperança no ser humano, pois é capaz de comover-se, de indignar-se (mesmo que só virtualmente) e de lamentar uma crueldade irracional (a crueldade é sempre irracional). Há poucas semanas o mundo tomou conhecimento da encíclica “Laudato si´”, do Papa Francisco, sobre “o cuidado da casa comum”. Oportunamente, o Papa lembrou que estamos provocando um mal imenso em nossa “irmã terra”, fruto “do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou”. Não somos proprietários e dominadores da terra, autorizados a saqueá-la. Somos chamados, sim, a nos aproximar da natureza e do meio ambiente com admiração e encanto. Afinal, tudo o que existe saiu das mãos do Criador.
Uma segunda lição que aprendemos com o destino do leão Cecil: a força dos meios de comunicação e, particularmente, do mundo digital. Quem, ao ler este meu texto, não tem, diante de si, a imagem do Cecil? Quem não se surpreendeu com o número de assinaturas que rapidamente se multiplicaram nas manifestações escritas, pedindo que o caçador fosse julgado em Zimbábue?
Esses acontecimentos serviram, também, para que se tomasse conhecimento de outras barbáries envolvendo animais: caçadores, com as devidas licenças, matam, anualmente, 600 leões africanos; poucos meses atrás, o presidente de Zimbábue – Robert Mugabe -, de 91 anos e no seu sétimo mandato, ofereceu um banquete em que não faltou carne de leão e de elefante. Quem sabe, a morte de Cecil poderá servir para que se fortaleçam iniciativas para proteger especialmente os animais ameaçados de extinção.
Espero, contudo, muito mais desse acontecimento. Espero que cresçam a sensibilidade e o respeito à vida de pessoas inocentes que morrem diariamente perto de nós; que se manifeste a indignação de todos pela contínua morte de cristãos na Nigéria, tendo como agentes membros do grupo Boko Aram, dominado pela determinação de matar quem segue Jesus Cristo. Espero que se multipliquem protestos contra os sacrifícios humanos que ocorrem em Uganda, envolvendo normalmente crianças – sacrifícios que, segundo uma ONG inglesa, chegaram perto de mil nos últimos anos. Espero que se multipliquem protestos em favor das crianças a quem não é dado o direito de nascer, como se elas fossem propriedade das mães e não seres a quem, em primeiro lugar, deve ser aplicado o artigo III da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”: “Todo ser humano tem direito à vida…”
Espero, enfim, que a barbárie perpetrada contra Cecil não tenha sido em vão; que inspire medidas de proteção dos outros leões e, particularmente, dos seres humanos.
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil