Na Solenidade de Corpus Christi no ano de 2011, na Paróquia Nossa Senhora das Candeias (Vitória da Conquista), onde dediquei-me como pároco, logo após a comunhão iniciamos a solene procissão. Fomos com o Santíssimo Sacramento em um carro devidamente preparado e ornamentado para este precioso trajeto, com faróis de dezenas de automóveis piscando, tocando as buzinas e com potente carro de som.
No veículo coberto com um formoso tecido chamado pálio, segurava sobre a mesa ornamentada o ostensório com o Santíssimo Corpo do Senhor. Fiquei o mais discreto possível para que as vestes e capas brilhosas que eu estava paramentado não ofuscassem o esplendor da simplicidade de Jesus Cristo, que estava na aparência de Pão. Fiquei também recolhido, confesso, pois na avenida mais movimentada da cidade sentia-me um tanto tímido e preocupado de como seria a recepção daquela procissão.
A mesa era larga e na ponta um refletor para iluminar Jesus Cristo, o “grande Sol”. Era preciso esticar bem os braços, porque eu teria que segurar firme o Senhor. Ao passar por quase toda paróquia (prédios, shopping, condomínios, faculdades, academias, colégios, clubes etc.), percebi que na verdade não era eu quem segurava e levava o Senhor, mas era Ele quem, puxando meus braços e minhas mãos, nos conduzia para que conhecêssemos melhor aquele populoso campo de missão.
Pude compreender a novidade que o Cristo me mostrava: prédios populosos com poucas janelas e lâmpadas acesas, também algumas casas com luzes apagadas. Entretanto vi iluminação e pessoas curiosas procurando entender aquela expressão pública. Desta maneira, olhares iam se dirigindo em direção ao Santíssimo que ia passando e abençoando a todos.
Pessoas durante a passagem do Santíssimo faziam o sinal da cruz, algumas olhavam discretamente. Não houve sinal de desrespeito, no máximo uma displicência. Muitos não sabiam como se comportar diante do sagrado, eram pessoas batizadas e abandonadas pela igreja matriz que saíam de bares e clubes dezenas delas emocionadas.
Ao chegar ao destino final, capela das Irmãs Sacramentinas, tapete e sineta somaram-se a caminhada até o Tabernáculo. Em seguida todos receberam a bênção do Santíssimo. Parecíamos escutar Cristo Eucarístico dizendo-nos: “Esta bênção chega aos ausentes, que também são minhas ovelhas! Um dia meus discípulos abrirão os olhos para a missão, entenderão que a ordem querida e sonhada por mim foi: TOMAI TODOS e COMEI (Cf Mc 14, 22s), e por isso não me deixarão preso aos mesmos devotos…”
Até hoje guardo o recado do Senhor, que nos levou pelas ruas e avenidas daquele bairro e chamou a todos de amigos, dando-nos a conhecer a imensidão de nossa missão… Vamos retornar à avenida levando ao menos o Pão da Palavra? É para lá que Cristo se dirige! Foi pelas ruas que Ele, nos puxando pelas mãos, nos mostrou a cidade e nos questionou sobre a missão. Vamos agora levá-lo ao povo da urbi, pois não foram eles que se afastaram da Igreja, mas a Igreja que se afastou dos que estavam ausentes…
Dom Estevam dos Santos Silva Filho
Bispo Auxiliar de São Salvador da Bahia