Na linguagem humana o coração é sempre algo difícil de definir, difícil de entender, misterioso e, ao mesmo tempo, de uma profundidade impressionante porque oculta em si todas aquelas experiências valorizadas dentro do mistério que cada pessoa humana representa. Chega-se até mesmo a falar emrazões do coração (Pascal) para designar as motivações inexprimíveis na linguagem ordinária. Na Sagrada Escritura o coração é o centro das coisas mais íntimas da vida de uma pessoa, ele consegue expressar toda a riqueza interior que o ser humano traz dentro de si, entrar no coração é penetrar no centro de uma vida, mas, sobretudo, ele é o lugar onde o amor pode encontrar morada.
A Igreja celebra um Coração que se entregou por amor à humanidade, que foi aberto na cruz para que todo homem pudesse voltar a Deus por meio dele: o Coração de Jesus. «Eis aqui o Coração que tanto amou os homens, e em troca, da parte dos homens só recebeu ingratidão, irreverência e desprezo, no sacramento do amor (eucaristia)», assim queixou-se Jesus, Nosso Senhor, à Santa Margarida Maria Alacoque, em 16 de junho de 1675, mostrando-lhe seu Coração rodeado de chamas de amor, coroado de espinhos, com uma ferida aberta da qual brotava sangue e, do interior do seu Coração, saía uma cruz, a grande marca de seu amor por nós. No Coração de Cristo contemplamos o Coração de um Deus que escolhe amar a humanidade criada por Ele com um coração semelhante ao da criatura. Neste coração há uma certeza: Deus nos ama. E usa uma linguagem muito semelhante à nossa para expressar com clareza a dimensão desse amor que ultrapassa a nossa capacidade de compreender, por isso mesmo quis revelar os desígnios mais profundos de seu coração.
A devoção ao Coração de Jesus existiu desde os primeiros tempos da Igreja, ou seja, desde quando se meditava no lado aberto de Cristo, de onde brotou sangue e água. Desse coração nasceu a Igreja com os seus sacramentos. Nessa devoção veneramos o coração do mesmo Deus. Porém, Jesus quis, no século XVII, solicitar através de uma humilde religiosa, Margarida Maria Alacoque, que se estabelecesse definitiva e especificamente a devoção ao seu Coração. Através das palavras que ele dirigiu à jovem religiosa o Senhor esclarece em que consiste essa devoção. É uma devoção dirigida à pessoa do próprio Jesus e ao seu amor não correspondido, representado por seu Coração. Desse modo, dois são os atos essenciais desta devoção: amor e reparação. Amor, pelo muito que Ele nos ama. Amor porque a prática religiosa de um cristão é fundamentalmente relação com uma Pessoa viva, o encontro transformador com Cristo. No centro da prática cristã está o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. É saber-se amado, experimentar-se envolvido pelo amor de Deus e entrar na dinâmica do diálogo instaurado por Ele buscando correspondência: amor se paga com amor; e isto é bem verdade em se tratando da fé cristã. O cristianismo não é uma ideologia, é uma Pessoa com quem se encontra e a quem se segue os passos até o Calvário se preciso for.
A outra prática típica da devoção ao Sagrado Coração de Jesus é a reparação, o desagravo, devido às inúmeras injúrias que recebe, sobretudo, na Sagrada Eucaristia. Aquele que ama torna-se sensível à dor da pessoa amada, é a lógica do amor. O mesmo ocorre com aquele que ama a Deus. Perceber o desprezo com que Ele é tratado por tantos, os insultos que recebe por parte daqueles que não o compreendem e não querem buscá-lo, as profanações contra a sua presença no mistério eucarístico… não pode deixar um coração amante indiferente. É aqui, portanto, que encontra o seu lugar a reparação. Através da oração, da luta por viver uma vida santa e da penitência, pretende-se oferecer a Deus uma maior adesão a Ele e ao seu amor, corresponder ao Amor dos amores.
Assim essa devoção nos coloca no centro dos mistérios da nossa salvação porque por um lado está muito relacionada com o sacrifício do Calvário perpetuado no sacrifício eucarístico e, por outro, porque nos favorece a correspondência ao amor de Deus que triunfa sobre todo o mal que existe no mundo e que é o grande sentido da história da criação e da humanidade: fomos criados para viver essa comunhão de amor perpétuo com Aquele que é e que vem pelos séculos dos séculos. Amém.
Dom Gilson Andrade da Silva
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Salvador

LITURGIA DIÁRIA