Há parábolas – narrativas alegóricas que transmitem uma mensagem indireta, por meio de comparações ou analogias – que nos ensinam mais do que muitos artigos. Os orientais sabem disso; tanto assim que elas fazem parte de sua cultura. Tal é a força das parábolas que Jesus as usou ao longo de sua pregação. A parábola a seguir não é do Evangelho, mas da tradição oriental. Apresento-a com minhas próprias palavras, para transmitir uma mensagem que, acredito, todos entenderão.
Era uma vez um maravilhoso jardim, situado no centro de um grande campo. Seu dono costumava passear por ele à noite, ao clarão do luar. Nesses passeios, o que mais gostava de ver era um grande bambu. Não havia nada de mais belo do que ele: alto, delicado, balançando-se de um lado para outro…  Ele crescia e se tornava cada vez mais bonito, sob olhar admirado de seu senhor. Aliás, aquela imensa planta era o centro de atenção de todos os que visitavam o jardim.
Um dia, o dono, pensativo, aproximou-se dele e, num gesto de profunda veneração, o bambu inclinou sua cabeça imponente… Seu senhor lhe disse: “Caro bambu, hoje eu preciso de ti…” E o bambu respondeu imediatamente: “Meu senhor, estou pronto! Pode fazer de mim o que quiser!”

Dom Murilo é Arcebispo da Arquidiocese de Salvador e Primaz do Brasil.

“Caro bambu,” – a voz do senhor era grave – “só poderei usar-te se te cortar…” O bambu protestou: “Cortar?… A mim? Por favor, não faça isto! Deixe que eu embeleze seu jardim. O senhor sabe como todos me admiram!…”
“Meu caro bambu” – a voz do senhor tornou-se ainda mais grave –  “não me importa que te admirem ou não… Se eu não te cortar, não poderei usar-te…”  No jardim, tudo ficou silencioso. Até o vento segurou sua respiração. Finalmente, o lindo bambu inclinou-se e sussurrou: “Senhor, se não puder usar-me sem me cortar… então, faça comigo o que quiser!…”
“Meu querido bambu” – tornou o senhor – “devo também cortar tuas folhas!…” E o bambu lhe respondeu: “Mas se o senhor me ama, preserve-me de tal desgraça! Isso poderia destruir minha beleza… Por favor, deixe as minhas folhas!…”
“Na verdade, não poderei usar-te se não tirar tuas folhas…” A lua e as estrelas, confusas, esconderam-se atrás das nuvens… Algumas borboletas que por ali brincavam, afastaram-se assustadas… O bambu, trêmulo, disse, com voz fraca: “Senhor, tire-as!”… Mas o senhor voltou a falar: “Ainda não basta, meu querido bambu. Devo cortar-te pelo meio e tirar teu interior… Se não fizer isso, não poderei usar-te…” “Por favor, senhor” – disse-lhe o bambu – “assim eu não poderia mais viver!… Como viver, sem o que está dentro de mim?…”
“Devo tirar o que está no teu interior; caso contrário, não poderei usar-te. ” Então o bambu inclinou-se até o chão e lhe disse: “Senhor, corte-me e divida-me, se assim o quiser…”
O dono do jardim cortou o bambu, desfolhou-o, decepou seus galhos e o partiu em duas partes. Tirou o que estava no seu interior e prendeu as duas partes uma à outra. Depois, pegou-o e colocou uma ponta junto a uma fonte, de onde brotava água fresca; a outra ponta pousou num campo ressequido, onde nunca conseguira plantar nada. A água da fonte começou a correr pelo bambu, indo em direção da terra seca… Feito isso, o senhor aí plantou trigo, arroz e milho. Plantou também rosas, cravos e flores das mais variadas espécies e cores…
Passadas algumas semanas, as sementes brotaram, as plantas cresceram e chegou o tempo da colheita – uma colheita muito abundante, como nunca se vira naquele lugar. Assim o bambu, no seu aniquilamento e humildade, transformou-se em uma grande bênção para todas as pessoas daquela região. Quando era belo e crescia somente para si, alegrava-se com sua própria beleza. Agora, despojado de tudo, tornara-se um canal do qual seu dono se serviu para tornar fecundas suas terras secas…
Com uma simples frase, Jesus Cristo disse o que a parábola acima procura nos ensinar: “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo caído na terra não morrer, ficará só; se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12,24).

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil

LITURGIA DIÁRIA