A Quaresma, são os quarenta dias em que a Igreja convida a cada homem e mulher a uma mudança de vida, como nos pede Jesus e que nos é proposto pela liturgia já na quarta feira de cinzas: “Convertei-vos e crede no evangelho” (Marcos 1, 15). E ainda, o convite é de fato para uma mudança radical interior: “Rasgai o coração e não as vestes” (Joel 2,13). É tempo de nos voltarmos mais para Deus, de reconhecermos que às vezes erramos e temos a oportunidade de reencontrar o Senhor que nos perdoa. Preparamo-nos neste tempo para celebrar o dia mais importante que é a Páscoa da ressurreição.
Neste nosso peregrinar de batizados, como filhos amados do Pai, são muitas as possibilidades que temos para podermos viver bem a nossa missão. Procurando ter uma escuta, mais assídua das Escrituras, intensificando nossa vida de oração, o jejum e a caridade. O Papa Francisco nos faz um apelo: “A Quaresma deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo forte para celebrar e experimentar a misericórdia de Deus”.
E ainda, neste ano da Misericórdia (Proclamado pelo Papa Francisco), cada um é calorosamente convidado a ser misericordioso como o Pai. Por isso, precisamos realizar gestos concretos que contribuam para uma vivencia mais fraterna entre as pessoas. É importante sempre lembrar que não há amor a Deus sem amor ao próximo. Somos chamados a contribuir para melhorar a realidade onde vivemos, a começar pela nossa família, os vizinhos ou no ambiente de trabalho. Todos são chamados a realizar gestos concretos, atos corajosos para o bem das pessoas mais sofredoras da sociedade, como os encarcerados, os migrantes, os desempregados, os doentes e o povo de rua.
A Campanha da Fraternidade foi de fato uma idéia genial, aproveitar o tempo da quaresma para desenvolver uma temática específica a cada ano, como itinerário da fé e vivência da espiritualidade quaresmal. Idealizada por três presbíteros, responsáveis em nível nacional pela Cáritas brasileira. Foi no ano de 1961 quando desejaram que a cáritas se tornasse autônoma economicamente e projetaram a campanha com o primeiro objetivo de recolher dinheiro para ajudar nas atividades assistências e promocionais. A primeira não foi em nível nacional, mas foi realizada em Natal, no Rio Grande do Norte, nordeste brasileiro em 1962, no tempo de quaresma e contou com a adesão de três dioceses. Um ano depois, em 1963, já participaram da campanha dezesseis dioceses do Nordeste e fizeram uma avaliação positiva e expressaram o desejo de continuar a realizar.
É interessante perceber que esta campanha deu início no mesmo período em que estava acontecendo o Concílio Ecumênico Vaticano II. Neste momento da história a Igreja buscava de fato a renovação eclesial e procurava também respostas para enfrentar os novos desafios. Em dezembro de 1963, foi enviada uma carta para todos os bispos, elaborada pelo secretário geral da CNBB onde comunicava que a Campanha da Fraternidade se tornava a partir daquele momento de âmbito nacional.
A Campanha da Fraternidade é lançada oficialmente em todas as Dioceses e nos meios de comunicação na quarta feira de cinzas, quando abre-se o tempo da quaresma. Tempo forte de conversão e a campanha faz um forte convite aos batizados para uma revisão de vida, conscientização e mudança de comportamento focalizando em uma temática específica. Em torno desta temática acontecem momentos fortes de oração, reflexão e de uma evangelização a partir da mística e espiritualidade quaresmal.
O convite feito no início da quaresma é que de fato todos os cristãos procurem viver o evangelho, que ocorra uma transformação na vida de cada um. Por isso, é o tempo ideal para retomar a prática da fraternidade, solidariedade e concretizar para uma verdadeira mudança de vida. Tempo para vencer o egoísmo, a ambição e a inveja para viver a fraternidade em comunidade. A Campanha colabora para que todo cristão possa descobrir o plano amoroso do Deus criador e salvador e assim trabalhar pela fraternidade e vida digna para todos os seus filhos.
A Campanha da Fraternidade deste ano nos ajuda nesta conversão pessoal e comunitária apresentando um tema para nossa reflexão. Este ano a campanha será ecumênica, ou seja, feita em conjunto com outras Igrejas cristãs que fazem parte do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (CONIC). Sua temática central reflete sobre o saneamento básico.
O tema é: “Casa comum, nossa responsabilidade”, com o lema: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,24). Que o direito ao saneamento básico seja assegurado a todos. E tem como objetivo geral: “Assegurar o direito ao saneamento básico para todas as pessoas e empenharmo-nos, à luz da fé, por políticas públicas e atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro de nossa Casa Comum”.
O Papa Francisco, refletindo sobre a temática da campanha da fraternidade deste ano, ainda nos diz que “todos nós temos responsabilidade por nossa Casa Comum, ela envolve os governantes e toda a sociedade. Por meio desta Campanha da Fraternidade, as pessoas e comunidades são convidadas a se mobilizar, a partir dos locais em que vivem. São chamadas a tomar iniciativas em que se unam as Igrejas e as diversas expressões religiosas e todas as pessoas de boa vontade na promoção da justiça e do direito ao saneamento básico. O acesso à água potável e ao esgotamento sanitário é condição necessária para a superação da injustiça social e para a erradicação da pobreza e da fome, para a superação dos altos índices de mortalidade infantil e de doenças evitáveis, e para a sustentabilidade ambiental” (Mensagem para a Campanha da Fraternidade 2016).
Convidamos a todos para realigar gestos concretos: organizar em sua família, comunidade, igreja, durante este período, um dia sem consumo e desperdício e doe o que não for consumido nesse dia; Participe ativamente da Coleta Ecumênica Nacional da Solidariedade no Domingo de Ramos, 20 de março, ou no dia determinado por sua Igreja.
Lembramos que os 60% dos recursos doados constituirão o Fundo Diocesano de Solidariedade, nas demais igrejas do CONIC, esses recursos constituirão um Fundo a ser administrados pelas comunidades eclesiais locais. Os demais 40% serão enviados ao Fundo Ecumênico nacional da Solidariedade. Com estes recursos serão apoiadas iniciativas de grupos, associações e outras organizações que desenvolvam ações afins com o tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica.
Concluimos afirmando que urge formar comunidades cristãs abertas ao diálogo, sensíveis à dimensão missionária, bíblica e catequética, fortalecidos pela Palavra de Deus e pela Eucaristia, solidários com os que sofrem e que busquem constantemente superar a fragmentação, o egoísmo e as divisões.
Compreendemos que é a partir da experiência do encontro com Jesus Cristo que acontece necessariamente uma mudança de vida em todos os sentidos. Não somente em nível eclesial, mas uma transformação na pessoa como um todo. Por isso, passa-se a ter uma preocupação e compromisso com uma sociedade mais justa, solidária e preocupada com a casa comum.
É fazendo a experiência com o crucificado e ressuscitado que os cristãos passam a se comprometer mais com o anúncio profético e denunciar tudo o que é contrário ao projeto de Deus. Que o Senhor nos ajude a sermos cooresponsáveis na “construção de um mundo sustentável e justo, para todos, no seguimento de Jesus, com a alegria do Evangelho e com a opção pelos pobres”.
Dom João José Costa
Presidente da Cáritas Brasileira, Arcebispo Coadjutor de Aracaju e Bispo Referencial da Cáritas Regional Nordeste 3