Crimes cometidos por adolescentes tem pautado a sociedade e dividido as opiniões dos brasileiros sobre a redução da maioridade penal. Sempre à favor da vida, a Igreja se posiciona contrária às iniciativas que adotam idade menor a 18 anos como definição legal de adulto [confira nota divulgada pela CNBB]. O assunto foi tema da entrevista realizada pela equipe do portal da Arquidiocese de Salvador à coordenadora da Pastoral do Menor na Arquidiocese e no Regional Nordeste 3, Maria Glácia Bastos, que, dentre outros pontos, destacou a necessidade da implementação de medidas socioeducativas, assim como investimentos em educação e saúde de qualidade, bem como políticas públicas que eliminem as desigualdades sociais e garantam que meninos e meninas fiquem longe do crime. Confira!
Portal – Por que a Igreja se posiciona contra a redução da maioridade penal?
Maria Glácia Bastos (Pastoral do Menor) – Primeiro porque nós temos feito longas experiências que comprovam que a redução da maioridade não garante uma mudança, e nós acreditamos na mudança das pessoas. Desejamos que elas possam pagar, sim, pelo erro que cometeram, mas que, sobretudo, que elas possam se redimir e seguir outro rumo na vida. E as experiências longas que a gente tem com a Pastoral do Menor comprovam que não é a redução da maioridade que vai resolver estes problemas, e sim um sistema que garanta essa mudança, que é o sistema socioeducativo. E a Pastoral do Menor tem hoje experiências de gestão do sistema, de acompanhamento, de outras medidas não só de restrição da liberdade. Todo esse discurso da sociedade que diz que precisa reduzir a maioridade penal é porque diz que o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] dá muito privilégio, que não pune o adolescente que comete o ato infracional. E isso não é verdade. Existem punições previstas na forma da lei, assim como existem para os adultos, e essas punições estão garantindo muito mais a reinserção dos adolescentes na sociedade do que o sistema prisional.
Portal – Estudos realizados pelo Instituto Latino–Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud) mostram que menos de 10% dos crimes cometidos são da autoria de menores. O que a população pode fazer para reduzir ainda mais esse número?
Maria Glácia Bastos – Esse contexto todo está sendo dito de uma forma muito cruel. A gente tem o mapa da violência que saiu no ano passado. Lá fica muito bem estabelecido que o nosso jovem vem sofrendo violência em níveis quase 50% maiores do que cometem. Essa questão específica a gente não se preocupa, a gente não está discutindo isso. É muito inquietador ver as discussões sobre a redução da maioridade penal e não ver a discussão sobre uma escola de qualidade, sobre a garantia do direito à cidade, do direito ao esporte, a uma alimentação digna. Eu acho que é isso que a sociedade tem que ficar atenta: que essas discussões todas querem nos fazer pensar que as vítimas são os culpados. A nossa juventude está sendo exterminada e há quanto tempo a gente vem dizendo isso, como Igreja inclusive? E agora com esse jogo da mídia, a gente vem achando que, de fato, é a adolescência que vem matando mais, e não é! O que a gente precisa pensar é que mais do que matando, os nossos jovens estão morrendo. Que o qu nós precisamos é de políticas efetivas, porque a gente tem uma série de políticas que garantem direitos, mas elas não estão efetivadas nas nossas comunidades. Precisamos pensar em uma política educacional de qualidade; que a política de assistência precisa chegar a todos, de fato. A gente precisa pensar que, mais do que educação, os nossos jovens precisam de formação, precisam ter o direito de projetar a vida. A sociedade precisa começar a dar um outro passo. Então, antes de colocar os meninos, que são vítimas, como culpados, a sociedade precisa repensar outras questões. A sociedade quer tudo olho por olho, dente por dente. Ela quer que o menino pague pelo crime que cometeu, quando na verdade ele paga com a mesma medida, mas garantindo que ele não irá reincidir no mesmo crime. Só olhamos que os meninos estão matando, mas e todo o resto? Quantas pessoas estão falando sobre tudo isso?
Portal – A redução da maioridade penal é inconstitucional, como já afirmou a Secretaria de Justiça. Como esse assunto tem sido discutido na Pastoral do Menor?
Maria Glácia Bastos – Existem várias questões dentro desse contexto. A Casa Civil já declarou que é inconstitucional a redução da maioridade penal, que para que ela aconteça, nós vamos precisar mudar toda a constituição de 1988. A intenção é que vá a plebiscito, então vamos a reforma constitucional? Se a redução da maioridade penal vai ser discutida para que se promova uma mudança da constituição brasileira como um todo, então vamos. Mas se é para pegar um único elemento descolado e dar a mudança que a gente quer para os filhos dos ricos, aí também não dá. Precisamos dar mais atenção às coisas que precisam ser mudadas. Precisamos trabalhar mais isso, nos envolver mais nessas questões, estar atentos a tudo isso porque estamos olhando as coisas isoladas.
Portal – Quais são as ações da Pastoral do Menor com relação a esses jovens infratores?
Maria Glácia Bastos – Na verdade em cada lugar do país a pastoral se comporta de uma forma. Existem lugares que fazem visitas a esses espaços e que é uma visita de escuta ativa no sentido de que esses jovens tenham seus direitos garantidos. Em alguns lugares a Pastoral do Menor se responsabiliza pela prestação de serviço à comunidade; em outros existe o acompanhamento da medida de restituição ao mal feito; a medida de semiliberdade; e a medida de internação, que acontece em São Paulo e a gestão compartilhada com a Fundação Casa.
Portal – A aplicação dessas medidas socioeducativas geram, de fato, resultados satisfatórios?
Maria Glácia Bastos – Essa gestão compartilhada entre a Pastoral do Menor e a Fundação Casa, em São Paulo, vem fazendo estudos e mostrando que os meninos que saem do sistema sócioeducativo reincidem 15% menos do que os que saem de outras unidades. Com relação ao sistema prisional, esse número é ainda maior. Dos meninos que saem desse sistema, que é um sistema bem estruturado, que garante uma melhoria de vida, podem pensar uma nova proposta de caminhada, projetar um futuro. As medidas garantem a esses sujeitos que não reincidam no crime, que não voltem e encontrem apenas aquele ambiente que era propício ao crime. Nessa unidade de São Paulo eles fizeram um estudo e comprovaram isso, que os meninos que cumprem as medidas socioeducativas têm uma reincidência imensamente menor do que a de quem está no sistema prisional.
Portal – E como a Pastoral do Menor, na Arquidiocese de Salvador, atua para garantir que crianças e adolescentes se mantenham longe do crime?
Maria Glácia Bastos – Aqui na Arquidiocese a gente sempre trabalhou na ponta da garantia de que os meninos não cheguem até as mãos do crime. Nós sempre trabalhamos garantindo espaços de formação para alguns grupos que na sociedade não estavam assistidos. Então hoje a gente acompanha educadores sociais que lidam com crianças e adolescentes, sobretudo com adolescentes porque essa fase é um nó na vida de muitos deles e, por consequência, na vida do educador que não sabe muito como lidar com isso. É onde os adolescentes vão conhecer a relação com as drogas, a relação com o crime, com a erotização. E é nesse nó que a gente atua: formando esses educadores para lidar com essas realidades. Então nós atuamos mais especificamente nessas duas áreas. Agora, há um tempo, a gente vem fazendo um caminho de visita das unidades de internação porque nossos meninos estão chegando lá. Só que é um ambiente ainda muito novo e que nós precisamos ir com muita cautela porque não os conhecemos e eles não nos conhecem. Em 2011 fizemos o evento Inter Paroquial, que foi sobre medidas socioeducativas, e desde então estamos nos mobilizando. Já fizemos visitas, já falamos com a unidade e temos um grupo com algumas pessoas que reunimos para discutir o tema e começar uma visita mais estruturada, porque nós precisamos de uma equipe para isso. Então, nós atuamos nessas várias frentes: de garantir que não cheguem ao crime, de garantir os direitos e hoje nós temos nos organizado também para o acompanhamento do menino que está internando e criando, de certa forma, um caminho de ajudá-lo a sai com outras oportunidades na vida.
Portal – Antes dos meninos chegarem ao crime, como acontece o acompanhamento?
Maria Glácia Bastos – Na verdade, a gente acompanha os centros comunitários, visitamos, convidamos para formações, buscamos ouvir e nos colocamos como um local de referência. Então o acompanhamento desses meninos se dá por via do próprio centro. Mas hoje a gente não tem uma equipe formada para visita. Quando damos uma formação, fazemos alguma atividade com os centros comunitários, estamos trazendo as demandas que eles colocaram e que são colocadas a partir da relação com os meninos. Por exemplo, na rede adolescente em específico, os temas são definidos a partir das demandas que a gente percebe na prática. Esse ano estamos propondo um encontro com os adolescentes para tratar desses temas que os educadores estão refletindo e percebendo, que vai desde a questão do que é a família até a dimensão de alguns transtornos psicológicos, com relação à alimentação, ao corpo. Então, a gente acompanha nesse caminho, nessa medida porque não temos estrutura para acompanhar um a um.
Fonte: Portal Arquidiocese de Salvador