Algumas semanas atrás, o Papa Francisco recebeu quatro embaixadores, nomeados por seus países para representá-los junto ao Vaticano: Quirguistão, Antíqua e Barbados, Luxemburgo e Botswana. Penso que se alguém saísse por aí com um mapa-múndi, para entrevistar quem encontrasse pela frente com a pergunta: “Sabe me indicar onde ficam estes países?”, receberia de muitos, como resposta, olhares de surpresa. No entanto, o que o Papa Francisco lhes falou é muito importante; é uma resposta antecipada ao que veríamos e ouviríamos por aqui, nos dias das grandes manifestações populares.
Antes de fazer uma síntese do que o Papa disse aos embaixadores, lembro o seguinte: seria ingênuo aprovar tudo o que foi ou está sendo dito e feito nas ruas. Várias das propostas apresentadas são incompatíveis com a visão antropológica cristã. Outro ponto: atos de vandalismo não condizem com uma democracia e prejudicam a luta daqueles que estão indignados e querem mudanças – pessoas que acreditam que seus direitos podem ser conquistados com o uso de meios legítimos em um país democrático, como, por exemplo, a realização de marchas, a exibição de cartazes, a proclamação de palavras de ordem etc. Uma terceira observação: uma crise não é, necessariamente, uma situação negativa. A palavra “crise” vem do grego e tem como origem o verbo “krinein”, que significa separar, escolher, julgar. Explicando melhor: suponhamos que alguém esteja viajando e de repente se vê diante de dois caminhos, precisando escolher um deles. Se a escolha for errada, a pessoa não chegará a seu destino; se for correta, alcançará a sua meta. Portanto, situações de crise são, acima de tudo, momentos de escolhas, de superação – momentos que exigem passos de qualidade.
O Papa Francisco lembrou aos embaixadores que a humanidade vive uma espécie de mudança histórica. Se, de um lado, há grandes conquistas que favorecem o bem-estar da sociedade, de outro é preciso reconhecer que muitos homens e mulheres de nosso tempo vivem em situação precária. As conquistas da ciência e da técnica não chegam até eles; o medo toma conta do coração de muitos; a alegria de viver vai diminuindo; aumentam a violência, a imoralidade e, sobretudo, a pobreza. Uma das causas dessa situação está “na relação que temos com o dinheiro, aceitando o seu predomínio sobre nós e nossas sociedades”. Em outras palavras, o Papa está dizendo que a causa dos problemas atuais encontra-se na negação sistemática da primazia do ser humano. A adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e cruel versão na idolatria ao dinheiro e na ditadura de uma economia sem a fisionomia humana.
Não podemos aceitar que homens e mulheres vivam apenas para consumir e, portanto, somente para gerar lucros. Pior ainda é quando o próprio ser humano é visto como um bem de consumo, como uma “coisa” que se pode usar e jogar fora; um ser descartável. Cabe ao Estado assegurar o bem comum a todos, e isso vai exigir que ele controle o mercado e a especulação financeira, que são os novos tiranos do mundo. No caso do Brasil, acrescento: deve-se evitar que os avanços econômicos e o dinheiro dos impostos sejam usados apenas em benefício de uma minoria, políticos ou não. Por trás dessa nova tirania esconde-se a recusa ao respeito e à ética – a recusa de Deus. “A ética conduz a Deus, que escapa às categorias do mercado.” A ética, quando não ideológica, permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humanos.
No final de seu discurso, o Papa Francisco conclamou todos os dirigentes políticos – afinal, não era apenas para os quatro embaixadores que ele estava falando – a uma corajosa mudança de atitude: “Exorto-os a enfrentarem esse desafio com determinação e clarividência! (…) A Igreja encoraja os governantes a permanecerem verdadeiramente a serviço do bem comum de suas populações.” Fica, também para nossas autoridades e para cada um de nós, a pergunta final do Papa a todos os países: “Por que não se dirigirem a Deus para que lhes inspire os seus desígnios?…”
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil