A construção da paz é fruto de um compromisso pessoal e comunitário vivido diariamente. Para a Ir Rosália Agda, religiosa da congregação Missionárias Filhas do Calvário, a paz “vem junto com a justiça, a integridade, o bem-estar individual e social, com uma organização sociopolítica, econômica com base na equidade”. A Cáritas Brasileira Regional NE 3 realizou um bate-papo com a Ir Rosália, que há 13 anos mora na comunidade Moradas da Lagoa, Fazenda Coutos (Nova Brasília de Valéria), em Salvador. Confira o bate-papo!
Cáritas Brasileira Regional NE 3: A senhora atua nas comunidades periféricas de Salvador há alguns anos. Por que essa escolha?
Ir Rosália Agda: A decisão de vir para o bairro de Fazenda Coutos, em 2006, foi guiada pelo compromisso de estarmos sempre nos lugares mais difíceis, aonde poucos chegam para compartilhar das angústias, alegrias, dores, conquistas e esperanças do povo, impulsionadas pelo amor a Jesus, que fez opção preferencial pelos pobres e marginalizados, sendo fiéis ao carisma da Congregação.
A nossa presença aqui, tem para as irmãs um sentido também teológico, pois é aí que se encontra de forma explícita os calvários nos quais está crucificada parte da humanidade sofredora. Nas inúmeras cruzes da nossa história, Jesus está crucificado nas vítimas que não tem vez nem voz, sendo assim uma voz profética, embora silenciosa, no mundo de hoje.
Cáritas Brasileira Regional NE 3: Conte para gente um pouco da sua experiência.
Ir Rosália Agda: Durante esse tempo que moro aqui, posso afirmar que são várias as experiências, tenho o coração cheio de nomes, vivências, alegrias, sofrimentos, conquistas e dores. Todas me ajudaram a confirmar a opção pelo serviço, doação àqueles/as que vivem na invisibilidade, nas periferias de uma cidade grande como Salvador. Aqui encontramos os últimos. Aqui me aproximei de uma realidade na qual vive uma grande parcela da humanidade, submetida a situação de pobreza e abandono. Por outro lado, pude perceber a força que se manifesta na vida na teimosia daqueles daquelas que lutam constantemente para viver em situações tão adversas.
Tenho visto, ouvido, contemplado as alegrias, os sinais de vida, como também as lágrimas e sorrisos sobretudo das crianças, das mulheres e adolescentes, com quem mais tenho me dedicado na missão. Em minha missão, tenho muito presente o lema deixado por Madre Ernestina, fundadora da minha Congregação “Ir aonde o bem do próximo exigir”.
As atividades realizadas nos espaços de ocupações, nos barracos, a aproximação das famílias, o trabalho socioeducativo com as crianças, o trabalho de economia solidária, buscando ser sinal de esperança, do amor misericordioso de Deus que nos chama para sermos sinais de sua presença.
Cáritas Brasileira Regional NE 3: Como tem sido acompanhar aqueles que mais precisam nesse tempo de pandemia?
Ir Rosália Agda: Nesse tempo de pandemia tornou-se mais difícil a aproximação física para a realização das atividades com os grupos da comunidade, mas outras possibilidades surgiram, novas estratégias foram adotadas para a continuidade do trabalho, claro que mantendo os devidos cuidados, como: entrega de material para as crianças, a campanha de distribuição de alimentos, máscaras e material de limpeza.
Como equipe de trabalho na comunidade, sempre nos encontramos para organizar as atividades, sobretudo a distribuição dos alimentos, oportunidade para nos ajudar e reforçar esse compromisso na busca do bem comum.
Contudo, a gente se dá conta da impotência, sente indignação ao ver que as famílias em situação de vulnerabilidade, que vivem em condição sub-humana nos barracos sem nenhum saneamento básico, sem condições de garantir a prevenção necessária.
Cáritas Brasileira Regional NE 3: A campanha 10 Milhões de Estrelas tem como objetivo principal a mobilização das pessoas para a construção da paz e da justiça social. Como a senhora compreende ser possível alcançar esse sonho da paz?
Ir Rosália Agda: A paz é algo que estamos sempre em busca. Ela é parte da nossa essência e ser em Deus. Jesus é a nossa paz. A paz é dádiva, contudo ela vem junto com a justiça, a integridade, o bem-estar individual e social, com uma organização sociopolítica, econômica com base na equidade. A paz, é também fruto do nosso trabalho e dedicação.
São caminhos para a paz: a solidariedade, a irmandade, a compaixão, o respeito e o compromisso com outro/as. Vejo a paz acontecendo quando as pessoas partilham os seus dons, os bens materiais, por pouco que sejam; quando colocam-se no lugar do outro/a, quando tecem relações de cuidado, de defesa da vida, vivendo alegria pelas pequenas conquistas e a certeza da presença de Deus em suas vidas, sobretudo nos momentos mais difíceis. Sabemos que é uma luta constante, quando as forças da morte querem apagar a chama da esperança, através de todas as formas de violência.
Vejo a presença da paz, à medida que, mobiliza as pessoas para o fortalecimento de projetos e sonhos comuns, pois, os recursos são usados para fortalecer iniciativas comunitárias. Isso, é por certo, “uma estrela” que é acesa em meio a uma sociedade, onde a exclusão e o individualismo são muito presentes. Então, essa paz temos alcançado em pequenos sinais, apesar das forças contrárias.
Efetivamente, a Campanha de 10 Milhões de Estrelas tem contribuído para o fortalecimento dos valores, caminhos para a construção da paz.
Cáritas Brasileira Regional NE 3: Que ensinamentos esse tempo de pandemia pode trazer a humanidade?
Ir Rosália Agda: Vejo que esse tempo de pandemia veio dizer para o ser humano, que ele precisa parar. Parar para: encontrar consigo mesmo, olhar para o seu interior a fim de encontrar com a sua essência; a voltar para própria casa, encontrar com a própria grandeza e pequenez com as próprias fortalezas e fragilidades. Contemplar seu ser, santuário da beleza divina, o que antes estava deixado de lado.
A humanidade é chamada a encontrar o seu lugar. Seu lugar na criação de Deus, para com gratidão e compromisso, cuidar dessa criação e deixar Deus ser Deus, não querendo ocupar o seu lugar.
Esse tempo de pandemia pode trazer o ensinamento que é possível vivermos a solidariedade, sobretudo através da partilha, da escuta dos gritos que vem dos pobres, que a cada dia espera conseguir condições de vida melhor; com os pobres aprendemos o que é realmente a partilha. Aqui vi pessoas que não conseguem guardar algo para si, se tem alguém precisando ao seu lado.
É importante aprendermos a importância das relações, da presença das outras pessoas em nossas vidas. Valorizar o momento presente, valorizar quem está ao nosso lado. Tudo é provisório, tudo passa, só Deus não passa. Assim aprendemos a relativizar aquilo que damos muita importância em detrimento de outros valores que devemos dar o seu devido valor.
Vejo que a nossa mãe natureza, nos convida a contemplarmos o Criador nas mais diversas manifestações da vida, que nos pede para cuidarmos e sentirmos que somos irmãs e irmãos, como nos ensina São Francisco de Assis. Um alerta para aprendermos que a humanidade não tem tantas certezas, nem seguranças. O autocuidado, a responsabilidade pela preservação da própria vida e da vida do outro, é nosso compromisso!
Cáritas Brasileira Regional NE 3: Deixe uma mensagem aos nossos leitores!
Ir Rosália Agda: Minha mensagem é um convite para acolhermos esse tempo como oportunidade única, para repensar a nossa forma de ser, viver, de se relacionar. Que no nosso caminho possamos encontrar o bem comum, o Bem Viver, o respeito e cuidado com à Vida.