Na quinta-feira passada, dia 13 de agosto, tivemos a alegria de celebrar a festa da Bem-aventurada Dulce dos Pobres. Pudemos, assim, mais uma vez, reavalizar a sua missão e reapreciar o legado que nos deixou.
Uma passagem do livro de Tobias (12,6-13) nos ajuda a compreender a dinâmica da vida desta soteropolitana. Um anjo disse a Tobias e a seus filhos: “É justo revelar e publicar as obras de Deus”. Não tenho dúvidas em afirmar que a Bem-aventurada Dulce dos Pobres é uma dessas “obras de Deus”.
De uma forma profunda, ela viveu segundo uma frase de Jesus Cristo que é como uma síntese de tudo o que ele nos ensinou: “Todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes”. Estamos aqui diante de uma proposta que nos leva ao coração do Evangelho, de um caminho que é marcado pelo amor e pelo serviço. Irmã Dulce aprendeu desde criança que fazer alguma coisa pelo próximo e, especialmente, pelos mais necessitados, é fazer para o próprio Jesus Cristo.
Como Arcebispo desta Sede Primaz, sou particularmente grato a essa mulher corajosa, que deixou marcas indeléveis nesta Arquidiocese, na Bahia e no Brasil. Sabemos que nem a falta de recursos, nem as incompreensões ou as limitações físicas conseguiam fazê-la parar. Ela proclamava o Evangelho com uma vida inteiramente doada aos necessitados mas, ao mesmo tempo, com um trabalho envolvido pela oração. Nos momentos de comunhão com Deus, Irmã Dulce renovava as suas forças e tomava novas iniciativas.
Nos momentos de dor – e quanto sofreu fisicamente! –, ela entendeu que era chamada a completar em sua carne o que falta à paixão de Cristo por seu corpo, que é a Igreja (cf. Cl 1,24). Entendeu, também, que não se trata de procurarmos o sofrimento, pois esse deve ser sempre evitado. Mas sabia que quando uma cruz está diante de nós e a abraçamos, acabamos descobrindo que no outro lado dela está Jesus.
Irmã Dulce deixou-nos como herança não tanto uma obra – grandiosa, por sinal –, mas sobretudo um exemplo. Por mais que alguém se sinta orgulhoso por essa religiosa – por exemplo, por ter sido seu contemporâneo, conterrâneo ou admirador –, isso não basta. Pela oração de outros podemos receber a graça de dar um novo sentido à nossa vida. Mas, quando se trata das obras de Deus, jamais estamos dispensados de fazer a nossa parte.
Esse “fazer a nossa parte” pode ser traduzido de muitas formas. Uma delas consiste em nos descentralizarmos. Não podemos viver em função de nós mesmos; afinal, precisamos dos outros para nos completar e enriquecer. Outra forma é descobrir o que significa a palavra misericórdia. Uma antiga oração da Igreja pede: “Senhor, mostrai-nos a vossa onipotência no perdão e na misericórdia”. A misericórdia é a expressão mais alta da onipotência divina, a maneira mais elevada de Deus mostrar o seu poder. Numa época como a nossa, em que a palavra “poder” significa ter muitos bens à própria disposição, conseguir influenciar no mercado, ter condições de ameaçar ou de destruir, parece ser ingênuo falar em misericórdia. Contudo, é justamente em momentos assim que necessitamos voltar o nosso olhar para o Senhor, rico em misericórdia, que demonstra Seu poder perdoando-nos e enviando-nos o Seu Filho Jesus.
Perto de nós há rios de mal, de violência e de corrupção (de quanta corrupção!), mas há também um oceano de bondade e de amor, formado pela generosidade que o Espírito Santo faz nascer em inúmeros corações. Esse oceano é maior do que todo o mal que possa existir. A Bem-aventurada Dulce dos Pobres é uma prova disso.
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil