Quando estudei Literatura Brasileira, chamaram a minha atenção os tais de “poetas bissextos”. Segundo o professor, tais poetas só excepcionalmente publicam um poema ou um livro. Assim, por só aparecerem periodicamente, recebem esse nome, numa referência aos “anos bissextos”.
Na história de nosso país há “temas bissextos”. Volta e meia aparecem – e, normalmente, quando menos se espera. Aparecem, geram polêmica, ganham destaque na Imprensa, viram objeto de discussão e, de repente, desaparecem. Por vezes, tenho até a impressão de que, tal como o “bode na sala”, são trazidos para desviar a atenção de algum problema mais grave.
Dias atrás voltou a se falar sobre a liberação de jogos de azar. Dessa vez, como forma de resolver os problemas econômicos do país. Sim, tudo muito simples: autoriza-se a abertura de cassinos, aprovam-se taxas e impostos, e a paz voltará a reinar sob os céus de nossa pátria. Voltará?
Não vou entrar aqui em outra questão, também grave, e que oportunamente também poderá merecer uma reflexão: a multiplicação de loterias controladas pelo Governo. Fui verificar e fiquei surpreso com a lista que encontrei: Mega-Sena, Lotofácil, Quina, Lotomania, Timemania, Federal, Dupla Sena, Loteca, Lotogol, Instantânea… e cada uma, mais de uma vez por semana.
Liberar o jogo é abrir as portas ao imprevisível. Quem ganha com o jogo? Poucos, muito poucos. Já quem perde, sabemos: são muitos, são pobres, são pessoas que se empobrecem. Quer dizer: além dos mil problemas que já devemos enfrentar, correríamos o risco de ter pela frente novos desafios.
A autorização do jogo não o torna bom e honesto. Jogar é um vício. Mais: os jogos “tornam-se moralmente inaceitáveis quando privam a pessoa daquilo que lhe é necessário para suprir suas necessidades e a dos outros. A paixão pelo jogo corre o risco de se transformar em dependência grave” (Catecismo da Igreja Católica, 2413).
Há os que defendem a regulamentação dos jogos de azar argumentando que, quer queiramos ou não, ele continuará sendo praticado de mil maneiras. Ora, “não se corrige um erro, autorizando-o, mas pela educação, pela formação das consciências. Por isso mesmo, a verdadeira pedagogia é a que previne contra o mal, em vez de apenas castigá-los depois de cometido. Essa é a pedagogia em que a Igreja acredita. Por essa razão, e não só neste problema de erros e vícios, mas em todas as áreas – justiça, liberdade, participação política, direitos humanos – ela se empenha em ser mestra leal e carinhosa de seus filhos. No caso específico do jogo, ensina o homem a não pôr suas esperanças na sorte problemática do jogo, mas na tranquila segurança do trabalho honesto e produtivo” (CNBB, 20ª AG).
Há outras justificativas para a liberação dos jogos de azar: com a multiplicação de cassinos, aumentaria o número de empregos e se fortaleceria o turismo. E a ruína de muitos? E a desorganização de inúmeras famílias? E o drama de quem “investe” no jogo o que deveria servir para sustentar os seus? Talvez, mais importante do que qualquer argumento, seria ouvirmos o depoimento de pessoas ou famílias que sofrem as consequências desse problema na própria pele.
O que a experiência de outros países nos mostra é que o jogo enriquece quem já é rico e empobrece quem põe nele a esperança de resolver, rapidamente, seus problemas – um dos quais talvez seja aquele causado pelo dinheiro gasto no próprio jogo. Mais: normalmente, o jogo anda de mãos dadas com a fraude, o roubo, a violência, as drogas e toda sorte de crimes.
Mais do que liberar o jogo, precisamos de trabalho e de justiça, de honestidade e do bom uso daquilo que é arrecadado com os impostos.

LITURGIA DIÁRIA