Dom Guido Zendron – bispo da Diocese de Paulo Afonso
O mês de agosto é o tempo que a Igreja nos oferece para podermos meditar mais profundamente a respeito da nossa vocação, isto é, a tornar mais claro e mais certo o caminho através do qual o Senhor quer nos oferecer o Seu Amor e a Sua amizade.
Ninguém pode negar que estamos vivendo aquela mudança de época diante da qual nos alertou o Documento de Aparecida e que, para podermos vivê-la com serenidade, precisamos sair de tantos esquemas para acolher a novidade com a qual o Espírito Santo quer conduzir a Sua Igreja.
Na situação atual, de modo particular para os jovens, não interessa mais a pergunta: “Quem tem razão” e sim “Como posso viver com um sentido profundo, capaz de me introduzir na realidade, sem a vontade de fugir dela?”
O primeiro passo para compreender e viver a nossa vocação, qualquer que ela seja, é partir daquilo que realmente somos, sem fingimentos e sem excluir nada, porque com Deus nós podemos viver um verdadeiro diálogo não quando somos capazes de coerência, que é pura graça do mesmo Deus, mas quando somos verdadeiros.
Sabemos que dentro da nossa vida existe uma mistura de bem e de mal pois “pecador já minha mãe me concebeu”” (Sl 51) e que sem a força de Deus sucumbiríamos pois “ Sem mim nada podeis fazer”, (Jo 15,5): por isto levar a sério a vocação é em primeiro lugar ter a humildade e a disponibilidade de recomeçar sempre pois a misericórdia do Pai tem este único objetivo: nos acolher, nos proporcionar novas oportunidades, nos atrair para cairmos sempre menos.
O ponto decisivo da fé é a Ressureição de Jesus e, nEle, a vitória sobre todos os sinais de morte: assim podemos continuamente passar da mentira à verdade, da incoerência à adesão, da presunção e autonomia à oração e adoração, da fadiga diante da realidade à energia de um sempre novo caminhar.
Na festa da Assunção de Nossa Senhora, a Liturgia nos apresenta o Evangelho da visita de Maria a sua prima Isabel.
É interessante como o evangelista Lucas descreve o que aconteceu depois que o anjo a deixou: “Partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia.” (Lc 1,39)
Logo após o seu sim ao anjo, recomeça de novo com outro sim: vai ao encontro da realidade movida por aquela Presença que está se formando no seu seio para encontrar a prima Isabel.
Encontramos aqui duas dimensões concretas daquilo que o Papa Francisco chama de “Igreja em saída” e de “cultura do encontro”.
Viver a vocação como um recomeçar em cada instante é enfrentar a vida em todos os seus aspectos a partir da consciência do pertencer Àquele que já venceu a morte, é irmos ao encontro dos irmãos e irmãs apressadamente, isto é, sem calcular demais a resposta deles, mas com o único objetivo de testemunhar a beleza da vida que nasce a partir do dom do Espírito Santo.
Também nós encontramos a região montanhosa: em primeiro lugar dentro de nós por causa do nosso individualismo, comodismo, orgulho, preguiça, esquemas mentais e pastorais, etc.
Mas a realidade em si mesma muitas vezes se apresenta como montanhosa: dificuldade de relacionamentos, doenças, aperto econômico, relacionamentos familiares sempre mais frágeis…
Recomeçar significa partir da positividade da Presença de Jesus porque é Ele que faz maravilhas e não nós com os nossos esforços. Deixar que a iniciativa seja dEle, vivendo a comunhão com a Igreja, é o caminho mais simples para podermos experimentar o cêntuplo aqui na terra, mais a vida eterna, conforme a promessa de Jesus.
Em João 21, 15-18 encontramos a modalidade com a qual Jesus nos chama e nos permite começar tudo de novo em cada instante e situação.
A Pedro que o tinha renegado três vezes Jesus não pede justificativas nem promessas para o futuro. Só faz uma pergunta: “Pedro tu me amas mais do que estes”.
Recomeçar é acolher este amor incondicional de Jesus que é a misericórdia. É deixar que o amor infinito de Deus plasme a nossa vida na sua totalidade, é termos a humildade de dizer com sinceridade: “Senhor, Tu me conheces, Tu sabes do meu desejo profundo de Te amar e Te amo, embora a minha fragilidade e incoerência sejam ainda fortes”
Jesus não precisa inicialmente da nossa coerência como pensavam os fariseus, Jesus precisa do nosso amor.
Que neste mês vocacional Nossa Senhora nos ajude a acolher o infinito amor de Deus e nos ajude corresponder com o nosso limitado amor para podermos experimentar o céu aqui na terra e assim colaborarmos à verdadeira construção do reino de Deus.