Imagine um repórter saindo pelas ruas de Salvador, perguntando a quem encontrasse: “O que você sabe a respeito do apóstolo Tomé?” Penso que a maioria das pessoas lhe diria, sem refletir muito que ele “é aquele apóstolo que duvidou, que não acreditou!”. ​Realmente, Tomé, um dos doze apóstolos de Jesus, demonstrou não acreditar facilmente em qualquer afirmação que lhe faziam. Queria provas concretas para crer no que lhe diziam, a respeito da ressurreição. Injusto, contudo, é transformá-lo em sinônimo de incredulidade, como se sua vida se tivesse resumido a isso.

​Antes de tudo, é preciso lembrar sua generosidade e seu amor pelo Mestre. Quando Jesus soube da doença e morte de Lázaro, tomou a decisão de “acordá-lo” de seu sono. Os apóstolos mostraram-se, então, preocupados, pois pouco tempo antes os habitantes da Judéia haviam manifestado o desejo de apedrejar o Senhor. Nesse momento, Tomé disse aos companheiros: “Vamos nós também, para morrer com ele!”. Ponto para Tomé.

Quem é Jesus Cristo? Uma das respostas a essa pergunta foi dada pelo próprio Jesus, graças a esse apóstolo. O Senhor preparava seus discípulos para o momento em que eles não mais o teriam junto de si e lhes disse: “Não se perturbe o vosso coração!… Na casa de meu Pai há muitas moradas… Vou preparar um lugar para vós… Voltarei e vos levarei comigo… E para onde eu vou, conheceis o caminho!” Tomé não guardou para si a curiosidade que, provavelmente, estava também no coração dos demais apóstolos: ´Senhor, não sabemos para onde vais. Como poderemos conhecer o caminho?´ Foi a ocasião propícia para Jesus se autodefinir: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Mais um ponto para Tomé.

​Chegamos, enfim, ao acontecimento que fez sua fama. Ao anoitecer do domingo da ressurreição, os apóstolos e discípulos, dominados pelo medo, encontravam-se dentro de uma sala fechada. Jesus surgiu no meio deles, desejou-lhes a paz, mostrou-lhes as mãos e o lado, deu-lhes o Espírito Santo e o poder de perdoar os pecados. Tomé não se encontrava ali. Quando chegou e ouviu os demais falarem da aparição de Jesus, observou: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se não puser a mão no seu lado, não acreditarei!” Uma semana depois, Jesus voltou a encontrá-los. Dessa vez, Tomé estava presente. Jesus, então, lhe dirigiu a palavra: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado”. Graças a Tomé, fomos informados que no seu corpo ressuscitado de Jesus estão impressas, eternamente, suas chagas. Que ponto para Tomé!

Devemos-lhe, também, uma das mais belas provas da misericórdia de Jesus. Embora tivesse sido grande a falta cometida por esse apóstolo, que não acreditou no testemunho de seus colegas, o Mestre não o condenou, mas também não deixou de adverti-lo: “Não sejas incrédulo, mas crê!” Mais do que uma advertência, essa observação passaria a ser um programa de vida para esse apóstolo e para toda a Igreja. Fruto desse episódio, nasceu a mais bela herança que Tomé nos deixou, ao se dirigir a Jesus e proclamar a frase que é repetida diariamente ao longo dos séculos, por milhões de pessoas: “Meu Senhor e meu Deus!”

Por fim, mais uma lição que o Ressuscitado nos deixou, graças àquele apóstolo – lição imprescindível para nós, que precisamos viver a fé no meio de desafios e decepções, de notícias tristes e de injustiças. Dirigindo-se a Tomé, Jesus lhe disse: “Creste porque me viste? Felizes os que, sem terem visto, creram!”

Só nos resta agradecer a Tomé suas preciosas intervenções e sua espontaneidade, sua humildade e sua amizade com Jesus. Dentre as muitas formas que temos para lhe demonstrar nossa gratidão, creio que nenhuma será tão adequada como a de fazermos nossa, e repetirmos continuamente sua solene proclamação: “Meu Senhor e meu Deus!” E, por que não pedir sua intercessão para que também nós tenhamos a graça e o privilégio de colocar o dedo nas chagas de Cristo Ressuscitado?…

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil

LITURGIA DIÁRIA